quarta-feira, 13 de novembro de 2013

José

I
09:00

Acordei no meio daqueles lençóis suados e quentes, e eu estava como eles (talvez um pouco pior, é... Eu estava pior).
Tentei me levantar da minha cama. Sem sucesso. Voltei a me deitar. Observei meu teto, ele ainda é fofo. Lembro-me de quando coloquei esse papel de parede, era o único da loja que apresentava alguma personalidade. As flores que o compunham não eram tão pequenas e claras, como a maioria dos papéis de parede que existiam na loja. Enfim, gostei dele. E pelo menos alguma coisa minha não era quebrada e fodida.


II
09:30
“Ah, Dindi, se tu soubesse....”
“Ah, se tu soubesse, não amaria mais ninguém.” Música idiota! Masoquismo idiota! MALDITA MANIA DE QUERER SOFRER e ouvir músicas tristes para me alegrar.

III
10:30
Checar e-mails, tomar um café.
- MEU DEUS! Eu tô horrorosa! Espelho maldoso, você deveria me animar.

IV
13:00

Minha vida é meio pedante, aristocrata, exige muito de mim e eu, como proletária dessa hegemonia agonizante, dou o menos possível. Eu gosto das ruas de São Paulo, da minha livraria na Augusta... Da Gigi, minha árvore amada que eu tenho na fachada, meus livrinhos da Lygia organizados e à minha espera. São esses detalhes como o gosto de cereja que me fazem continuar na labuta da minha vida.

V
15:00
Passo os meus dias assim: rua. Zé, carinha do almoço. Livraria. Tédio. Lygia. Clarice. Machado. Cliente. Sorriso. Casa. Cama. José. José. José. José. Sonho. Lençol. Café. Rua. Zé.

VI
22:00
José. É, como dá para notar é uma parte da minha vida, mas não de uma forma concreta, mas como todas as coisas: mora no meu coração fodido. E vai morar até daqui trezentos anos, ou até que meu espírito sofra falência de amor. Morra de vontade de você, Zé. Você que é meu pequenino, que me aninha, que me dá vontade de colocar um vestido  rosa, de consertar o meu fogão para lhe fazer um bolo, que me torna fraca, mulherzinha.  Você que é. Você que era. Que merda, José!  Que porra! Eu tinha, eu tenho tanto para te dar, cara. Tanto.

VII
02:00
- Roberta, tá acordada?
- Clarice? Que houve?
- Porra, eu não consigo, eu não consigo mais.
- Clarice, caralho... Que horas são? Cara, morreu alguém?
- Morreu, Rô, morreu meu espírito, “me  morri”, Rô.
- Cala a boca, amanhã eu vou aí.
- Traz o disco do Strokes, tá?
- Tá bom.

A Roberta era meu alento. Meu Jack, do Titanic. Daria uma madeira para eu flutuar, teu disco de estimação, teu colo e teu apê... Amava aquela guria e teu cheirinho de paz. Teu abraço com gosto de carinho de mãe, tua erva que era a melhor. ELA era a melhor. Nos conhecemos no Gates, blusinha do Ramones, duas tequilas, é bi? Não. Risos. Strokes? Caralho, Beatles? Te amo, guria! Ah, eu também, fumaça, fumaça, DJ tá louco, cara! Vamos sair daqui. E dali fomos  para a lagoa, para minha casa, interpretamos Hamlet como duas desvairadas e nos jogamos no tapete felpudo da sala. Foi a partir dali que a Rô entrou no meu coração.

VIII
03:00
Durmo.


IX
04:00
Sonhando com o Zé do almoço.


X
05:00

Meu celular toca, um toque que eu não escutava há algumas semanas, o toque do José. José, QUÊ?
Atendo (meio bêbada de sono e apavorada).
- Oi, José, aconteceualgumacoisa?
Disse ofegante.
- Oi, Cla, não, tipo, é. Porra! Como eu te explico? Desculpa o horário, saí do restaurante agora, é... Posso passar aí?
- Sim, pode, querido. Tô aqui.
CLARO, “tô aqui”. Sou uma idiota, idiota, idiota.
- Ok, chego em vinte minutos.

Ok, vamos lá. José: show do Nando Reis, fila quilométrica, Rô, Gil e Carlos. Aproxima-se um cara alto (um metro e oitenta para ser mais exata... sei, pois medimos um dia). Sorriso daqueles que inebriam qualquer mortal.

QUALQUER MORTAL. De homens rústicos até coelhinhos. Ok, talvez homens rústicos possa ser exagero. O que eu quero dizer é que ele é o tipo de cara que você olha e diz “Como faz para respirar mesmo?”. E não é só a beleza de James Dean, é o cabelo enrolado e preto, é o sol hindu na coxa, é seu curso na faculdade. E foi amor, foi amor antes de ser.

-Oi, galera, alguém tem um cigarro?
Todos da minha rodinha olharam para ele.
-Ah, eu tenho.
Respondi.
- Valeu.
E saiu. Pensei que nunca mais o veria, e a vida seguiu normalmente. O Nando já havia cantado cinco músicas, e quando chegou em "All Star Azul" um cara me esbarrou derrubando toda cerveja na minha blusa.
- CARACA.
 Gritei.
- Desculpa, moça! Ah, é você... A menina que me deu o cigarro... Desculpa mesmo!
-  Ok, não tem problema.
E continuou ao meu lado.
- Gosto dessa música.
- Eu também, ela é pura.
Respondi rindo.

Nesse momento, eu não sei bem explicar como aconteceu, mas soando babaquice ou não, eu estava com o meu all star azul e o Nando começou a perguntar umas coisas sobre quem estava de all star e tal, e é claro que umas cinquenta pessoas também estavam, mas o José me pegou no colo, me colocou em teus ombros e gritou feito um louco:
 - Ela! Ela! Ela está!
E me carregou pelo meio da multidão que se abriu para que nós passássemos. Talvez a multidão tenha se dissipado, pois as pessoas ficaram assustadas com o cara, sei lá. Resultado: acabei subindo no palco, o Nando me abraçou e cantou o refrão da música comigo. E todas as pessoas cantaram juntas. Eu, emocionada ao descer do palco dei um abraço tão forte naquele desconhecido & ele retribuiu tão naturalmente que ficamos juntos o resto da noite. Depois fomos para minha casa, ouvimos  Arctic Monkeys, e nos beijamos. Acabamos dormindo junto,s de conchinha, no meu tapete felpudo, e rindo do fato no outro dia pela manhã. Já sei o que você vai dizer: “É culpa do seu tapete felpudo, sua boboca! Tira isso daí”. Mas provavelmente os doentes colocam pó do amor nele, e eu gosto de doentes. 

Tomamos café no Zé , carinha do almoço e depois caminhamos no parque. Conversamos sobre ocupações, vida, amigos, livros, tudo isso entre beijos e carinhos, literalmente entre versos e beijos. Após esses dias nos vimos no boliche, na casa da Rô, Gates, show do Erasmo, minha casa, minha casa, minha casa. E então, na festa da Cecília. Às 23h, José me abraçou e disse: "Valeu, Dindi”. Eu não entendi muito bem o porquê daquilo, mas falei: “De nada”. E continuei conversando com a Rô, ficamos trocando uma ideia e curtindo a música. Até que eu virei minha cabeça. Vi o José, repetindo, o meu José, com a Cecília, íntimos, se abraçando, beijando, caralho! Que beijo! Suspeito que a Rô também tenha visto a cena. Eu fiquei, bom, eu fiquei atordoada, chorei, e saí dali. A Rô foi atrás de mim, mas eu já tinha pego o primeiro taxi que consegui. E naquele banco de trás do taxi, até o caminho da minha casa, eu entendi o porquê do “Valeu”. Chorei a noite toda, crises existenciais  tomaram conta do meu peito baleado por um beijo, um beijo naquela menina com cara de, sei lá, professora do prézinho criada a leite com pêra.

Me joguei na minha caminha quentinha e xinguei José. Acabei dormindo.

Agora, José, depois de três semanas sem aparecer na minha vida. VAI. VIR. AQUI.                              




XI 
06:00
 Apareceu à minha porta aquela escultura milimetricamente perfeita, com um olhar meio cansado e um jeitinho tenso, me abraçou e eu disse:
- Entra pra ver como você deixou o lugar, cuidado que eu mudei de lugar algumas certezas...
- Oi, Cla... Bela música.
 Sorriu e se sentou no meu tapete felpudo com pó de amor e falou:
- Nunca entendi seus lances de crises existenciais e nem porquê você lê Clarice Lispector se claramente    ninguém entende o que aquela louca diz, ou porquê você deu nome para uma árvore e porquê,  bom, porquê você gosta de mim.
Disse tudo isso tão rápido que eu simplesmente respondi:
- Nem eu.
- Cla, ouve, eu não quero mais você, foi por isso que eu beijei a Cecília, por  covardia, por não conseguir dizer isso para você que é uma pessoa tão, caralho, você é foda, Cla.
- Eu realmente gosto de você, José, mas... É, você foi um covarde e, bem, o amor da minha vida é um covarde. Merda!
E começo a chorar. Aquele lance: olhar embaçado, lágrimas caindo, aquela merda.
- Não, Cla, não , porra, não faz isso comigo!
-Saí, José, sai daqui.

E José saiu. E vai sair, vai.

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